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Artigo: Os 35 anos da Constituição e a Advocacia 5.0

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Após mais de três décadas de exercício ininterrupto da advocacia contenciosa e consultiva, da audiência no interior de difícil acesso até os gabinetes do Supremo Tribunal Federal, resolvi revisitar alguns artigos e palestras que escrevi e proferi desde o final dos anos 90 sobre o exercício profissional.

Quem trabalhou no mundo jurídico nessas últimas três décadas aprendeu no estágio a costurar processos e viu como o grampo para pastas foi uma criação disruptiva facilitando a reprografia (sim, os processos eram costurados com linha e agulha e o cúmulo da modernidade era uma furadeira de bancada que tinha no STF para facilitar a autuação dos volumosos recursos extraordinários). A jurisprudência é rica em retratar os fatos no seu tempo: dos primeiros acórdãos que declararam nulas sentenças redigidas em editores de texto, até a falta de juntada de determinada cópia a impedir a admissibilidade de recurso extraordinário.

Uma profissão de apoio ou habilidade importante para o advogado era a datilografia, fosse na advocacia contenciosa ou na consultiva. A revisão era feita à exaustão antes de se passar a minuta para a datilografia e um tormento, caso fosse encontrado um erro de digitação ou a necessidade de se acrescentar ou retirar algum conteúdo. Na advocacia consultiva do começo dos anos noventa a prática recorrente nos contratos de maior extensão ou naqueles em que se tinha um modelo era recortar (com tesoura mesmo) as cláusulas do modelo, colá-las numa folha em branco (com cola branca ou cola em bastão), datilografar as cláusulas intermediárias abaixo, e depois colar as cláusulas restantes. Uma vez completada essa operação, no mais das vezes bem trabalhosa a depender da complexidade do contrato, o material estava pronto para ser reprografado e essa cópia reprografada, decorrente do material recortado, colado e datilografado era o “original” de então. Tanto assim que quando do surgimento dos primeiros editores de texto as teclas mais intuitivas eram o copiar/colar e recortar/colar.

Em 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada, todo o terceiro andar do prédio do Supremo Tribunal Federal era um repositório de fichas-cartão com a catalogação da jurisprudência. E uma pesquisa para a preparação de um recurso levava dias para ser feita, solicitada, reprografada e entregue.

Contextualizadas essas questões, fica evidente porque a unidade de medida mais utilizada para a valoração do desenvolvimento do trabalho profissional é a medição de tempo. Muito mais do que o controle, a utilização do tempo posiciona o nível de formação e experiência do advogado e direciona a própria construção da carreira profissional. Assim, a hora trabalhada direciona três vetores importantes: (a) o tempo gasto em determinada atividade (comum a todos os profissionais da advocacia); (b) a valoração do tempo pela taxa horária de acordo com o domínio do advogado sobre determinado assunto e (c) a experiência do advogado naquele assunto em questão. Diferenciamos domínio e experiência porque domínio é conhecimento técnico de determinada área, e experiência é o tempo já incorrido em determinado ramo do direito. Por conseguinte, é possível que exista uma determinada taxa horária do trabalho do profissional relativamente a um assunto (contratos internacionais, fusões e aquisições, etc.) e uma outra taxa horária para outro assunto por este mesmo profissional (contencioso trabalhista, contencioso em tribunais superiores, dentre outros). Por esses motivos, a hora trabalhada é o critério mais adotado no mundo como referência para o exercício da advocacia. Mesmo quando a remuneração de determinado serviço seja mensal a preço fixo (conhecida como “advocacia de partido”), pró-labore/êxito ou remuneração uma única vez no início do trabalho; basta fazer um comparativo entre a qualidade do trabalho entregue e o tempo gasto (devidamente valorado pela hora da equipe), que teremos uma boa noção se o trabalho foi ou não adequadamente remunerado. 

Mesmo que o advogado não receba em hora trabalhada ou não trabalhe numa estrutura que adote esse tipo de medição, o controle individual tem muita valia, seja para identificar a quantidade de tempo dispendida em atividades produtivas e improdutivas, seja para constatar aquilo que mantém o profissional no foco e aquilo que é diversionismo, seja para mapear a evolução em determinada área do conhecimento jurídico.

A utilização de tecnologia ou implementação de metodologia de trabalho deve ser somente utilizada e implementada se, após superado o investimento do tempo com sua implementação e curva de aprendizado, resultar na melhoria da utilização do tempo pelo advogado. Tecnologia, metodologia e o controle são ferramentas para melhorar o exercício profissional do advogado e não para burocratizar. O controle deve existir para um fim, com o foco no profissional e mira no resultado, e não para um fim em si mesmo, o que seria uma inversão de valores. Os relatórios devem refletir a realidade para os ajustes de curso dos procedimentos internos e para a melhoria da qualidade final do trabalho.

Chegamos à advocacia 4.0 com sistemas de controle que nos permitem ter em mãos a excelência de informações, aliados aos soft skills gerenciais. É hora de, novamente olharmos os processos internos, seja de um escritório, de um departamento jurídico de uma empresa ou da prática individual da advocacia, não mais com foco somente no controle e na informação e sim com foco no advogado, no estagiário e nas profissões que nos auxiliam na prática da advocacia, que, na qualidade de usuários dessas mesmas informações, devem ter em mãos ferramentas para o aperfeiçoamento de sua prática profissional. É a advocacia 5.0 se preparando para os próximos 35 anos de nossa Constituição Federal de 1988, que, muito à frente do seu tempo, já antecipava em suas linhas o que hoje é conhecido como ESG (environmental, social and governance). Para aplicar regras ESG basta observar os direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal de 1988 e aplica-los na sua prática profissional.

Metodologicamente, desenvolvemos uma análise sistemática do exercício da advocacia, que vem passando por uma prova de conceitos e se reafirmando como o caminho seguro para uma nova visão do exercício da advocacia. Sistematizar o óbvio é inovar. Ser disruptivo sempre foi o papel do advogado em suas lutas pelo direito em busca da justiça antes mesmo dessa palavra ser criada.

Assim, todas as atividades que um advogado faz no seu exercício profissional podem ser classificadas em três grupos: Expediente, Trabalho Intelectual e Atendimento aos clientes. Passaremos a conceituar cada uma delas.

ExpedienteConsideramos o expediente como todas as atividades que o advogado executa fora de seu escritório. Para os fins deste estudo cada vez que o profissional sai de seu espaço de trabalho (que não seja para atender um cliente) estaremos falando do expediente. Estão incluídas as idas ao fórum e aos órgãos públicos de uma maneira em geral, seja para conversar com o escrivão ou mesmo despachar com um juiz, desembargador ou ministro. Todas essas atividades são consideradas como expediente. É o deslocamento para fora da sua estação de trabalho.

A principal característica do expediente é a localidade. Quando o advogado se depara com uma atividade externa de seu local de trabalho ela só pode ser resolvida com o seu deslocamento ao local onde deve ser solucionada. Neste sentido o advogado só pode resolver um problema no fórum, indo ao fórum; só pode ir resolver uma pendência na Receita Federal, indo na Receita Federal; e só poderá ir despachar com um magistrado indo ao seu gabinete (se o despacho for virtual não será um expediente). O conceito é óbvio, mas as implicações que podemos tirar dessa visão sistemática são as mais variadas, como identificaremos adiante.

Trabalho intelectualO trabalho intelectual consistirá em toda atividade de estudo e redação, seja uma simples petição de juntada de documentos, ou um recurso extraordinário em matéria de alta indagação. Temos que o trabalho intelectual estará caracterizado pelo período de tempo em que o advogado dedica suas atividades para ler, pensar, redigir ou interagir telematicamente. 

Devemos observar que, diversamente da classificação do expediente, que tem uma noção geográfica positiva (estar ou não estar no ambiente de trabalho), o trabalho intelectual remonta uma noção geográfica negativa (qualquer lugar), na medida em que reflete o momento em que se está lendo, pensando, redigindo ou interagindo com autoridades de forma. A virtualização das atividades judiciárias trasladou os despachos, audiências e sustentações de um trabalho que antes era somente do expediente para o trabalho intelectual. 

A principal característica do trabalho intelectual é a mobilidade. Nas atividades forenses – desde quando entendíamos o processo como aquele conjunto de papéis perfurados e organizados numa ordem, o juiz pegava o processo e, ou redigia em seu gabinete, ou o levava para casa para despachar. O advogado pegava o processo e, ou o levava para o seu escritório, ou levava até um serviço reprográfico para levar as cópias para o seu escritório e junto com as demais peças do seu arquivo poder redigir. Hoje, o processo é instantaneamente visto no computador, na íntegra, assim como vários atos processuais são realizados on line. A tecnologia apenas modificou o que antes era um expediente para uma atividade de mobilidade, mantendo, sob a ótica metodológica o trabalho intelectual.

Atendimento aos clientesO atendimento ao cliente é a interação ou com quem faz parte da sua equipe que executará determinada tarefa ou com quem lhe solicita a tarefa, sendo dividido em dois tipos o cliente interno e o cliente externo.O cliente interno é a sua equipe com a qual você tem que revisar, direcionar ou gerenciar o trabalho, e o cliente externoé quem solicita os nossos serviços (departamento interno corporativo que demanda uma solução ou o cliente propriamente dito). O atendimento ao cliente interno se materializa quando o advogado delega uma tarefa a outro profissional de sua equipe, quando ele recebe uma delegação, ou quando numa reunião com a equipe são definidos os rumos estratégicos para atendimento a uma demanda. O atendimento ao cliente externo acontece quando o advogado conversa com seu o demandante de providências, seja por telefone, rede social, qualquer meio telemático ou pessoalmente, seja em seu ambiente de trabalho ou fora dele.

A característica central do atendimento aos clientes é a pessoalidade. A pessoalidade é o contato direto entre transmissor e o receptor da informação. Entre o que pede uma providência e o encarregado de entregar o trabalho. Internamente, dentro de uma equipe, quem delega a tarefa é quem deve obter o retorno da informação para evitar que o ruído de comunicação gere uma má interpretação da delegação, seja ela uma pesquisa, uma busca de documento, o cumprimento de uma atividade externa ou a redação de algum documento. 

É comum advogados de nível gerencial participarem de reuniões juntamente com os advogados executores das tarefas perante os clientes externos, para então, após uma rápida reunião de alinhamento com a equipe, o trabalho ser executado, seja na prática dos escritórios, seja no mundo corporativo. Também acontece em escritórios ou departamentos jurídicos onde vários profissionais se relacionam com o cliente, que este tenha preferência em entrar em contato diretamente com apenas um deles, mesmo que este não seja o advogado responsável pela solução direta do problema ou da orientação que será passada. O importante para essa etapa do nosso estudo é fixarmos o conceito da pessoalidade. Poucos minutos de alinhamento evitam horas de trabalho equivocado e retrabalho. O contato pessoal com estado de presença deve ser sempre priorizado.

Podemos então sistematizar o que foi dito da seguinte forma:

Podemos retirar algumas conclusões fixando a imagem do quadro acima, ainda na linha da sistematização do óbvio, pois ficará mais fácil visualizar aquilo sobre o que iremos discorrer. Observemos como o expediente impacta na decisão de assumir ou não assumir determinado serviço ou mesmo de dimensionar a alocação da equipe. Imaginemos que um possível cliente, uma pequena empresa, lhe procure para atuar em quarenta processos que ela tem no Poder Judiciário. A primeira pergunta que o advogado deve fazer: Que tipo de demandas estamos falando? Caso o cliente responda que são quarenta ações da Justiça Federal na cidade onde o advogado tem escritório, fica fácil identificar que esses processos são de baixo expediente, haja vista que as matérias que circulam na Justiça Federal quase não têm audiências e que normalmente as páginas eletrônicas na internet são bem atualizadas. Caso o cliente diga que são quarenta processos em matéria cível, o advogado deverá analisar o serviço como de médio expediente, pois no mais das vezes existe a realização de audiência e os atos processuais podem estar mais permeados de uma visita pessoal ao fórum. Caso o serviço seja quarenta processos de matéria consumerista espalhadas pelo país, o advogado deve estar preparado para o alto expediente, tendo em vista a celeridade e o local onde as demandas são propostas, sendo que em todas as hipóteses deve ser avaliado se a prática nessas localidades determina que as audiências sejam presenciais ou telepresenciais o que poderá encarecer ou inviabilizar a realização do trabalho pelo significativo aumento dos custos e tempo de deslocamento na alocação da equipe em campo. Nosso objetivo não é classificar os diferentes graus do expediente – tal como fizemos com as atividades da advocacia (que dividimos em três grupos) – e sim mostrarmos como a análise do expediente impacta no dimensionamento da realização do serviço e mesmo na alocação da equipe.

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